LIXO-LIMPO
"A memória dos sulcos anuncia, não o vazio, mas corpos a esmo, montes de coisas esquecidas num barracão: um ancinho a enferrujar, a lâmina de uma enxada, uma foice roída pelo uso... O plástico, esse, não deixa sulcos. Um computador, um telemóvel, uma impressora não envelhecem, estragam-se. Estão a desaparecer todas as coisas que envelhecem, substituídas por coisas que se estragam: [...] Escrever nos pequenos desperdícios do tempo. Hoje, porém, há os vigilantes do lixo. Vasculham e separam. Até não haver. Há quem morra de fome rodeado de caixotes hermeticamente abertos. Acabemos com a pobreza no mundo: grita o bispo. Reciclemos. Palavra a palavra encontrar-se-á Deus: uma frase completa. Retribuamos. Palavra a palavra das coisas que Deus não criou. Diz o que lhe vem à cabeça. Contradiz-se. Eu sou a contradição e a vida. Quando essas coisas se estragam, surge um lixo não reciclável. Não se transformará em estrume, não germinarão nele as sementes, até os lagartos não gostarão de ...